Arquivo do mês: julho 2018

Inspirasom – Closer (Chainsmokers)

Na seção “Inspirasom” trago uma narrativa fictícia baseada unicamente na letra de uma música. Um vídeo com a letra da música estará sempre disponível na publicação. Nesse post o som escolhido como inspiração é a música “Closer”, da banda Chainsmokers.

Lucas se instalara no balcão do bar e de lá não pretendia sair tão cedo. Decidira ir sozinho mesmo, aquela oportunidade era propícia para conhecer alguém. Ficou estrategicamente sentado quase na entrada. Assim conseguia ter uma ideia do público presente no local. Pediu ao barman uma cerveja e uma dose de tequila. “A primeira de muitas”, pensou ele.

O bar era novo, recém inaugurado no hall de um hotel cinco estrelas no centro da cidade. Tudo muito luxuoso, alto padrão, atendimento vip e público selecionado. Um rolê daqueles acontecia uma vez a cada semestre. Seu programa habitual era frequentar botecos e inferninhos. Mas dessa vez as horas extras que Lucas fez no mês serviriam para pagar a conta final.

A noite seguia muito boa. Trocava sorrisos e olhares com as mais diversas garotas, algumas delas na pista de dança, outras sentadas nas mesas e ainda aquelas que vinham até o balcão buscar sua bebida. Engatou conversa com poucas, nenhuma realmente o atraiu de primeira. Pensava em como era difícil se envolver com alguém de maneira mais profunda, estava cansado da superficialidade das pessoas.

E então lembrou-se dela mais uma vez. Nada tinha sido igual depois que Amanda saiu de sua vida. O pensamento exigiu mais um pedido ao barman. Novamente a tequila, já a terceira, agora acompanhada de um mojito, bebida preferida dela. O gosto do rum bateu tão fundo em sua memória que conseguiu sentir até o cheiro do perfume Chanel 5 que ela usava. Sorriu levemente, virou a dose de tequila e seguiu até o banheiro.

Ao voltar, atravessou a pista desviando da turba em transe ao som de Alok. Sentiu no caminhar o efeito suave do álcool. Entre tropeços, esbarrões, requebrados e pisões no pé, cruzou o olhar com rostos familiares. Conseguiu reconhecer de passagem Guilherme, Diogo, Vitor e Gabriela. Eles estavam no canto da pista, curtindo a música e rindo. Todos da turma da faculdade de Amanda. Vitor foi o primeiro a reconhecê-lo e acenar com a cabeça, seguido dos outros. Lucas devolveu o cumprimento com um largo sorriso. Gostava de todos ali, foram ótimos amigos no período em que conviveram juntos. Mas vê-los, após tanto tempo, não foi tão reconfortante como imaginou que seria. A sensação de que Amanda pudesse estar ali também o deixou incomodado.

Por mais que lutasse contra a sua vontade, percorreu imediatamente o salão com os olhos, ansiando responder sua dúvida. Viu que o pessoal já havia saído da pista, tentou identificar para qual lado tinham ido. Buscou próximo as mesas, ao mezanino, perto da entrada do camarote, nada. Dirigiu-se novamente à pista, não reconhecendo mais nenhum rosto ali presente. Foi quando então sentiu um leve toque no braço, seguido de uma inconfundível voz suave:

– Oi, Luc. Você por aqui?

Virou-se imediatamente e lá estava Amanda. Um pouco diferente da última vez que esteve de frente com ela. A pele morena um pouco mais bronzeada, o cabelo curto na altura dos ombros, vestindo um tomara que caia preto justo, marcando bem seu corpo. Na cabeça de Lucas ecoava um pensamento único: “linda demais”. Saiu do transe em que se encontrava com um arremedo de resposta.

– Oi, Amanda.

Silêncio. Ela sorrindo, olhando fundo em seus olhos. Ele perdido, sem reação alguma naquele momento. Decidida, como sempre fora, Amanda dá o próximo passo.

– O pessoal disse que viu você na pista de dança e eu tive que tirar a prova pessoalmente. Achei que estavam de piada comigo.

A cabeça de Lucas fervia. Um pouco pela bebida, mais ainda pelo encontro inesperado. Em questão de segundos, ela o estava abraçando. Ele retribuiu, mas travado pelo constrangimento logo se afastou. Ela não percebeu, ou pelo menos fingiu muito bem não ter se incomodado. Amanda continuou falando.

– O pessoal estava há tempos marcando de vir nessa balada, eu sempre quis conhecer aqui. Mas sempre tinha algum outro compromisso, ou alguém que furava. Dessa vez conseguimos um contato que nos deu desconto…

Lucas perdeu a atenção nas palavras ao perceber que ela ainda segurava seu braço. Estava desacostumado com tal intimidade. Ela o tratava como alguém que tivesse visto na semana passada, mais um amigo de tantos que tinha. Era boa essa sensação, mas também era dolorida. Remetia a um passado nebuloso, com passagens mal explicadas, pontas soltas, questionamentos. Ali, em poucos minutos, Lucas confirmou algo que havia escondido muito bem durante anos. Não tinha superado nada o término entre eles.

– …e estou gostando bastante. Lógico que o preço das bebidas poderia ser um pouco mais baixo, mas o lugar é de alto padrão, né. Ei, não quer ficar na nossa mesa? Dar um oi para o restante do pessoal?

Como ela podia tratar tudo com tão naturalidade? Aquilo era irreal para Lucas. Como ela superou tudo tão facilmente? Em um rompante desvencilhou-se da mão dela.

– Desculpa, Amanda. Eu não consigo fazer isso. Não dá mesmo.

Virou-se de costas para ela e seguiu rumo ao bar. Amanda o seguiu, incrédula. Lucas apoiou-se no balcão, pediu mais uma dose de tequila. O álcool funcionaria como um escape naquela situação. Ela postou-se ao seu lado, encarando-o fortemente.

– O que foi isso, Lucas? Por que agir assim comigo?

Lucas sorriu ironicamente. Recebeu o copo do barman, virou a bebida em apenas um gole e balançou a cabeça.

– Por que, Amanda? Você ainda tem a coragem de perguntar o motivo. Seria porque tem quatro anos que você simplesmente sumiu da minha vida, sem explicar direito, dizendo apenas que precisava se encontrar na vida? Pegando carona com sua amiga naquela lata velha que ela chamava de carro, para fazer um mochilão pela América do Sul? Colocando um ponto final no nosso namoro, nos nossos planos, projetos, sonhos? Para você surgir de repente, aqui, linda, fudidamente linda, e me encarar como se nada disso tudo tivesse ocorrido? Você acha que nós iremos falar da nossa semana, dar risadas sobre uma piada, combinar um próximo rolê, e a vida segue de boa, sem justificativa para tudo o que aconteceu? Simplesmente não dá pra mim, Amanda. É pegar esses quatro anos que remoí cada momento que justificasse você ter me deixado e jogar no lixo. Manda um abraço pra toda a galera, mas se você quer saber a real, eu espero não encontrar com eles nunca mais na minha vida. Tchau.

Lucas simplesmente saiu em direção ao hall do hotel e em poucos segundos já andava pela rua, sem destino. Respirava aceleradamente, atônito com a enxurrada de palavras que despejara de uma vez. Questionava se agira certo, mas seu impulso falou mais alto que sua razão. Não sabia viver escondendo emoções, criando um conto de fadas. Estava decepcionado em saber que não superara todos os acontecimentos. Por diversas ocasiões realizou aquele encontro em sua cabeça. Como seria, o que falaria, como agiria. Mas nada saiu como planejado. Amanda fora onde encontrara o amor pela primeira vez. E na mesma intensidade com que ela entrara na sua vida, naquela primeira semana de aula na faculdade, ela também saiu, após cinco anos de relação, em uma terça à noite, de malas prontas para viajar pela América Latina. O que era para ser uma viagem de um mês estendeu-se por dois anos, com ela mudando-se definitivamente para o Chile. Durante um ano Lucas ainda tentou contato, mas nem mesmo uma mensagem conseguiu trocar. Ela nunca retornou dando um sinal de vida qualquer.

Perdido em seus pensamentos, Lucas andara sem rumo por um bom tempo. Quando se deu conta viu que estava próximo ao píer. Decidiu parar por ali. O lugar estava bem agitado e cheio, por conta das atrações existentes no local, mas Lucas conseguiu um canto um pouco mais afastado e sentou-se em um banco de frente para o mar. De olhos fechados, o som das ondas quebrando ao fundo, a embriaguez embalando suas emoções.

Cada segundo ao lado dela havia sido uma experiência mágica, mas agora precisava desapegar e seguir. Negou por muito tempo a possibilidade de que nunca mais seriam um casal novamente. Por longos quatro anos alimentou a ideia da reconciliação, ainda que inconscientemente. Mas a realidade dura, exposta naquela noite, era de que Amanda não fazia mais parte de sua vida. Algo que, na verdade, Lucas insistiu em não enxergar quando do rompimento entre eles.

O desabafo final veio em forma de lágrimas escorrendo por seu rosto. Lavando seu corpo, sua alma, seu coração. O ritual se completava com lembranças de momentos tão bons vividos com Amanda. Como quando alugaram uma Land Rover para uma viagem de bate e volta em uma praia paradisíaca, reduto dos endinheirados da cidade. Não sabiam como pagar a locação do carro, nem se teriam mesmo dinheiro para tal, mas a impulsividade e o bom papo dela o convenceram facilmente. E fora inesquecível ver o pôr do sol ao lado de Amanda, no banco de trás do carro, nus, ofegantes, extasiados, realizados. Ou então quando, de maneira “acidental”, descobriram que o colchão do amigo com quem Lucas dividia o apartamento era muito confortável, e realizaram a troca sem que o amigo soubesse, deixando o velho colchão de Lucas como um presente de grego. Lembrou-se também do primeiro festival de música que foram, onde adotaram a música “Always”, do Blink 182, como oficial do casal, ouvindo ela por milhares de vezes, em tantas outras ocasiões.

Tudo isso estava no passado. Lucas agora era apenas um cara sentado, sozinho, com o coração quebrado em vários pedaços. Tinha amado intensamente aquela garota. Fez planos, construiu sonhos, estipulou metas. Achou mesmo que passaria o resto da vida ao lado dela. Mas ali, naquela ocasião, aceitou que não mais envelheceriam juntos. Levantou, respirou fundo, decidiu seguir em frente. Definitivamente Amanda era uma página virada em sua vida.

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